Revista Época Negócios

Complementando a reportagem sobre o hospital A.C. Camargo, Época NEGÓCIOS conversou com três pacientes que foram tratados na Instituição. Neste vídeo eles contam como descobriram o câncer, como chegaram ao A.C. Camargo, como foi o tratamento e como estão hoje.






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Jornal A Tribuna



Vivendo Apaixonadamente

"Eu amo a vida. Se Deus quiser me levar, tudo bem. Mas se me deixar ficar, eu prefiro. Aqui está tão bom..."

O maestro André Infanti, com o mesmo tumor raro que tinha o ex-vice-presidente José Alencar, mostra que a fé, o otimismo e o amor podem ser mais fortes que a doença

Por Viviane Pereira

"Garota, eu vou me casar com você". Marilia Mussi Santos achou interessante a frase de André Infanti, que acabara de conhecer.
O cenário era digno de filme de cinema, ideal para o início de uma história de amor; uma festa no Terraço Itália, numa noite estrelada em setembro de 1980.
"Sobe", ele disse, chamando a moça para ver algo no andar de cima. Ela se recusou. "Sobe", insistiu. Na terceira vez, ela aceitou. Ao piano, o maestro tocou Chopin. Encantada, Marilia ainda recebeu das mãos de Infanti uma escala musical onde havia uma mensagem com notas: "Fa-La-Si-Mi Amas".
O golpe final na resistência da desconhecida foi dado quando o maitre chegou com dez dúzias de rosas, encomendadas pelo músico.
Amor à primeira vista? Talvez sim, talvez não. "Ele disse que já tinha me visto, em sonhos, andando pela praia". conta a santista que arrebatou o coração do maestro paulistano.
Vivendo entre melodias, Infanti não poupou poesia para conquistar a amada. "Estou procurando a estrela do céu, quando a estrela principal está do meu lado".
Cinco meses depois, em 14 de fevereiro de 1981, casaram e se estabeleceram em Santos.

Escala Musical

A música, que abriu as portas do coração de Marilia, é a essência da vida do maestro. Ele se recorda da infância musical ouvindo as canções entoadas pela mãe, uma andaluza, em espanhol. A emoção das lembranças agita o coração e solta a voz de barítono.
"Morena, tu ojos me quierem"("Morena, seus olhos me querem").
Infanti estava no início do primeiro ano quando levantou a mão à pergunta da professora Jurema sobre quem gostava de música. No dia seguinte, um amigo levou violão, outro um pandeiro e uma colega foi com seu acordeão. "Isso é pra você", disse Jurema, entregando uma gaitinha do comprimento de um dedo ao menino André. Na outra aula, o garoto já tocava algumas músicas.
Foi o primeiro instrumento de muitos: acordeão, piano, teclado, violão. Com facilidade para aprender, logo virou professor e ensinava os colegas e alunos mais velhos. Não demorou para fundar o Conservatório Musical Infanti, onde ensinou grandes talento, como o infectologista David Uip e o maestro Aparecido João Esotco. "A Gretchen também estudou canto comigo, quando estava nas Melindrosas", lembra. Roberto Carlos foi o outro aluno ilustre, quando fazia parte do RCTrio. "Ele precisava do registro na Ordem dos Músicos do Brasil para cantar na TV".
Infanti fez grandes concertos em São Paulo, no Interior e no Litoral. Na TV Record, ganhou várias vezes entre os melhores do ano. Em Santos, foi regente da Orquestra de Câmara. E continua aumentando seu currículo fazendo suas apresentações musicais.

Dando o tom de sua vida

Às vezes, André Infanti fala. Outras vezes, canta, dando o tom musical à entrevista. A voz forte não deixa transparecer que esse homem de 73 anos teve retirada uma parte de seu diafragma.
A alegria com que encara a vida também não dá a menor idéia de que precisou tirar também um rim, três quartos do intestino e parte do pâncreas, do intestino grosso e o baço. Tudo isso é fruto de um lipossarcoma do retroperitônio, tumor raro na região abdominal, perto dos rins. É a mesma doença do ex-vice-presidente José Alencar.
Além da doença e do mesmo médico, Infanti tem em comum com Alencar a garra, o otimismo e a paixão por viver.
"Você tem menos de um mês de vida". A sentença abalou a emoção de André Infanti, mas não sua fé. O diaginóstico foi dado em 1987, depois de três anos de um tratamento errôneo de gastrite.
"Quando recebeu a notícia, ele ia chorando na rua", recorda Marilia. A maior tristeza era, de longe, o medo de não ver a filha crescer.
Na luta, que dura 24 anos, fez 27 cirurgias. A preocupação da esposa em buscar o tratamento correto e a transferência para o Hospital A.C. Camargo, em São Paulo, foram essenciais para tantas vitórias que começou na primeira operação, em que foi retirado um tumor de cinco quilos.
"Vendemos um carro zero-quilômetro para pagar", afirma Marilia. A partir da segunda, a informação do cirurgião-oncologista Ademar Lopes de que o tratamento poderia ser feito pelo Sistema Único de Saúde(SUS) tornou a continuação viável.
Houve cirurgias de dez, 12, 15 horas. Ainda se lembra do desespero que sentiu há uns cinco anos, quando tirou o rim necrosado. Estava com o irmão Jenior Infanti no quarto quando vomitou muita bilis em um balde. "Acho que não vou sair dessa" chegou a pensar. Mas quando saiu de uma operação, fraco, magrinho, mostra sua força. "As pessoas dizem: 'Esse não vai vingar'. Mas eu olho para o céu e digo a Deus que vou viver".
Mais difícil foi quando a dor era tanta que não lhe permitia levantar para reger. Os bons momentos foram muitos, como o que viveu no hospital, em uma das tantas internações pós-cirurgicas.
Dessa vez, chegou a ficar 51 dias internado. Era um domingo, estava chateado na cama, com dreno e soro. As enfermeiras o chamaram para ver uma orquestra de câmara se apresentar. Infanti olhava pelo canto da porta quando a maestrina, búlgara, o convidou a reger.
"Não estou em condições", chegou a responder, mostrando o soro, o dreno, o avental. As enfermeiras se apressaram em fechar o avental atrás com esparadrapos, ajudaram a carregar o dreno e, logo, o maestro estava no meio da apresentação.
Quando a soprano começou a cantar Berceuse, de Brahms, automaticamente Infanti passou a fazer o contraponto, acompanhando a canção "Eu nem sabia onde eu estava".
Ali mesmo no hospital, com soro e dreno, o maestro cantou, regeu e ainda improvisou e treinou um coral de enfermeiras.
Essa é a essência que o move e o faz sobreviver às dores, à cirurgia e até mesmo ao tumor que tem ao lado da veia aorta, "Se tirar, ele morre. Mas tá quieto lá", avisa a esposa.
Viver apaixonadamente é o segredo da vida deste maestro, apaixonado pela música, pela esposa e pela filha Mariana Mussi Santos Infanti, de 27 anos, de quem tem enorme orgulho "Ela tem jeito pra música".
Com tanta resistência, o cirurgião avisa que Infanti vai morrer de velho "Velho eu já estou. Mas vou ver minha filha casar e meus netos".


Revista Época

Dinheiro compra saúde?

por Cristiane Segatto

  arquivo pessoal

ANDRÉ INFANTI
O maestro enfrenta há 24 anos um câncer semelhante ao que matou José Alencar

[...]Nesta semana, em que pensei tanto em Alencar, tive o prazer de conversar com outro lutador. É o maestro André Infanti, um paulistano de 73 anos que mora em Santos. Nos anos 60, ele tinha um conservatório de música no Ipiranga. Deu aula para muitos músicos que se tornaram profissionais. Entre eles, o cantor Roberto Carlos, no tempo do RC Trio. Como Alencar, Infanti teve um sarcoma do retroperitônio. Em que ano? 1988.

Com todos os recursos que sua fortuna lhe proporcionou, Alencar viveu quatro anos desde a descoberta do sarcoma. Infanti vive 24 anos. Sempre se tratou pelo SUS. Quando começou a sentir dores abdominais, os médicos que o atenderam em Santos acharam que ele tivesse gastrite. Quando Infanti foi finalmente levado para a sala de cirurgia, os médicos viram o sarcoma e decidiram não extraí-lo. Suturaram o abdome e decretaram que Infanti teria apenas um mês de vida.

Infanti foi parar no Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. Foi operado pelo cirurgião Fernando Gentil, que morreu pouco tempo depois. O sarcoma voltou inúmeras vezes e, desde então, Infanti foi operado pelo cirurgião Ademar Lopes, que era assistente de Gentil.

Lopes decidiu tratar Infanti apenas com cirurgia. Até hoje, foram 27. Nada de quimioterapia ou qualquer outro recurso. “O sarcoma parece uma trepadeira. Vai tomando conta de tudo”, diz Infanti. “Na primeira cirurgia, foi possível retirar o tumor inteiro”, diz Ademar Lopes. “Mesmo quando o tumor é retirado completamente, ele volta em cerca de 60% dos casos. Quando o câncer está alojado muito perto da coluna, o cirurgião não pode extrair mais tecido para deixar uma boa margem de segurança. Por isso, o tumor volta.”

Infanti acompanhou a dor de Alencar de um ponto de vista peculiar. “Temos a mesma doença, via o sofrimento dele e pensava que sou um privilegiado. Digo para todo mundo que sempre fui muito bem atendido. O SUS existe”, diz.

Em uma de suas internações, Infanti estava triste, sem vontade de sair da cama. A equipe queria que ele se levantasse. Alguém teve a ideia de chamar até o quarto os músicos que, por acaso, haviam feito uma apresentação no hospital. Os músicos fizeram fila indiana no corredor e chamaram Infanti na porta do quarto. “Era uma orquestra linda que me chamava para regê-la”, diz.“Regi a abertura de Aida, de Giuseppe Verdi. Aquilo me levantou.”

Com essa coluna estou querendo dizer que ser rico é ruim? Que bom mesmo é se tratar pelo SUS? Não. Estou apenas chamando a atenção para o fato de que coisas que repetimos como se fossem verdades absolutas podem ser mais complexas do que parecem. O sucesso do tratamento do câncer envolve múltiplas questões (características genéticas de cada paciente, capacidade individual de suportar determinadas medidas agressivas, acesso a drogas importantes, planejamento da cirurgia e da radioterapia etc). O sucesso depende, sempre, de difíceis decisões. Boas e más decisões são tomadas o tempo todo em qualquer lugar.

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