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revistaDinheiro compra saúde?
por Cristiane Segatto
O maestro enfrenta há 24 anos um câncer semelhante ao que matou José Alencar
[...]Nesta semana, em que pensei tanto em Alencar, tive o prazer de conversar com outro lutador. É o maestro André Infanti, um paulistano de 73 anos que mora em Santos. Nos anos 60, ele tinha um conservatório de música no Ipiranga. Deu aula para muitos músicos que se tornaram profissionais. Entre eles, o cantor Roberto Carlos, no tempo do RC Trio. Como Alencar, Infanti teve um sarcoma do retroperitônio. Em que ano? 1988.
Com todos os recursos que sua fortuna lhe proporcionou, Alencar viveu quatro anos desde a descoberta do sarcoma. Infanti vive 24 anos. Sempre se tratou pelo SUS. Quando começou a sentir dores abdominais, os médicos que o atenderam em Santos acharam que ele tivesse gastrite. Quando Infanti foi finalmente levado para a sala de cirurgia, os médicos viram o sarcoma e decidiram não extraí-lo. Suturaram o abdome e decretaram que Infanti teria apenas um mês de vida.Infanti foi parar no Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. Foi operado pelo cirurgião Fernando Gentil, que morreu pouco tempo depois. O sarcoma voltou inúmeras vezes e, desde então, Infanti foi operado pelo cirurgião Ademar Lopes, que era assistente de Gentil.
Lopes decidiu tratar Infanti apenas com cirurgia. Até hoje, foram 27. Nada de quimioterapia ou qualquer outro recurso. “O sarcoma parece uma trepadeira. Vai tomando conta de tudo”, diz Infanti. “Na primeira cirurgia, foi possível retirar o tumor inteiro”, diz Ademar Lopes. “Mesmo quando o tumor é retirado completamente, ele volta em cerca de 60% dos casos. Quando o câncer está alojado muito perto da coluna, o cirurgião não pode extrair mais tecido para deixar uma boa margem de segurança. Por isso, o tumor volta.”
Infanti acompanhou a dor de Alencar de um ponto de vista peculiar. “Temos a mesma doença, via o sofrimento dele e pensava que sou um privilegiado. Digo para todo mundo que sempre fui muito bem atendido. O SUS existe”, diz.
Em uma de suas internações, Infanti estava triste, sem vontade de sair da cama. A equipe queria que ele se levantasse. Alguém teve a ideia de chamar até o quarto os músicos que, por acaso, haviam feito uma apresentação no hospital. Os músicos fizeram fila indiana no corredor e chamaram Infanti na porta do quarto. “Era uma orquestra linda que me chamava para regê-la”, diz.“Regi a abertura de Aida, de Giuseppe Verdi. Aquilo me levantou.”
Com essa coluna estou querendo dizer que ser rico é ruim? Que bom mesmo é se tratar pelo SUS? Não. Estou apenas chamando a atenção para o fato de que coisas que repetimos como se fossem verdades absolutas podem ser mais complexas do que parecem. O sucesso do tratamento do câncer envolve múltiplas questões (características genéticas de cada paciente, capacidade individual de suportar determinadas medidas agressivas, acesso a drogas importantes, planejamento da cirurgia e da radioterapia etc). O sucesso depende, sempre, de difíceis decisões. Boas e más decisões são tomadas o tempo todo em qualquer lugar.
Leia a matéria completa em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI222894-15230,00-DINHEIRO+COMPRA+SAUDE.html
Folha de São Paulo
jornalFLÁVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
Como de costume, o maestro colocou seu smoking. Regeu durante quatro horas um concerto clássico, com orquestra de câmara e coral. O evento era em uma igreja de Santos, onde mora. A apoteose foi com a "Aleluia" de Handel, "a coisa mais linda", conta. Empolgou-se, como sempre. "Eu sinto a música. Se estou regendo Mozart, parece que ele está comigo", descreve. Quando terminou, a parte interna do paletó estava tingida de sangue.
André Infanti, 71, tinha passado por uma cirurgia complexa três dias antes -uma das 23 às quais se submeteu nos últimos 23 anos. Ainda tinha os pontos e estava cheio de drenos. Passou mal no dia seguinte, mas sentiu-se feliz por ter cumprido o compromisso e feito o que gosta. Não contou da sua doença a ninguém.
De fato, ele não gosta de falar sobre o problema -um lipossarcoma no retroperitônio, tumor raro na região abdominal, perto dos rins, a mesma doença do vice-presidente, José Alencar. Mesmo tendo descoberto o problema há mais de 20 anos, muitos dos conhecidos de André não sabem dela. "Contei só para minha mulher, minha filha, meus irmãos. Eu falo de tudo, mas procuro não falar de doença. Não gosto de causar sofrimento nas pessoas, eu gosto é de alegria", justifica.
E é assim, com otimismo, que ele lida com a realidade de seu câncer. O maestro conta que tinha esse espírito desde o início, quando descobriu o problema após ser tratado por três anos como tendo apenas uma gastrite. "Eu tinha muita febre, uma dor insuportável, não sabia nem onde estava. Mas sou guerreiro, aguentava", afirma.
Quando chegou ao hospital, o médico quis operá-lo no dia seguinte, pois o caso era grave. O tumor tinha seis quilos. Desde então, ele precisou se submeter a cirurgias, em média, uma vez por ano. "Essa doença parece uma trepadeira, que vai tomando conta do organismo", define ele. ""É como uma erva daninha", completa sua mulher, Marília Mussi dos Santos, 62, com quem é casado há 29 anos.
O diretor de cirurgia pélvica do Hospital A. C. Camargo, Ademar Lopes, que acompanha André, explica que o problema é que o tumor fica encostado em estruturas importantes, como a artéria aorta e a coluna.
"Por isso, não conseguimos retirar bastante tecido normal no contorno [por segurança], então a possibilidade de retorno é grande. Quando ele aparece na coxa, por exemplo, longe de órgãos nobres, conseguimos controlar melhor. É um tumor bastante grave, pelo tamanho e pela localização", afirma, completando que, no caso do maestro, a cirurgia é a melhor forma de tratamento.
As operações, em princípio pagas por ele e hoje custeadas pelo SUS, foram todas longas, de nove ou dez horas. "Saio todo encolhido, amarelo, magrinho. Quem olha fala: "Esse não vai vingar". Mas no segundo dia eu já estou dando a volta no quarteirão, passeio, visito outros doentes. Não me entrego."
Em muitos casos, foi necessário retirar algum órgão do corpo, que fora invadido pelo câncer. André ficou sem um dos rins, o baço, alguns músculos, três quartos do intestino e um pedaço do pâncreas.
Apesar de isso não prejudicar muito sua qualidade de vida, ele diz que tem algumas limitações. "No caso do intestino, tudo o que como a mais não me faz muito bem. Tenho que tomar muita água por ter apenas um rim, tomo de dois a três litros por dia. Se Deus nos fez com todos os órgãos, duas vistas, dois rins, quando tiram um nunca é como se tivesse os dois", afirma.
Mas ele ficou preocupado mesmo foi quando soube que perderia uma parte do diafragma. "Pensei que sentiria falta, pois, para reger, preciso falar, cantar para os meus alunos", explica. Surpreendentemente, a retirada não atrapalhou sua habilidade com o canto lírico. "Lógico que quando eu era moço meu timbre de voz era mais forte. Mas a cirurgia foi perfeita, continuo conseguindo cantar", afirma.
Música
Enquanto se recuperava de um dos procedimentos, uma orquestra se apresentou no hospital em que ele estava e, depois de ensaiar um contracanto na porta do quarto, para acompanhar a música, o maestro foi chamado para regê-la. "Eu estava com dreno em um monte de lugar e estava tão chateado, na cama, que não conseguia me levantar. Mas comecei a ouvir a música e aquilo me levantou, sabe?"
André chegou a ficar cinco anos sem trabalhar, pois não conseguia levantar os braços devido às cirurgias. "Mas agora está tudo normal, o que aparece eu faço. A música faz parte da minha vida. São mais de 60 anos, não adianta, eu vou morrer com ela."
O primeiro instrumento que o maestro ganhou foi uma gaita, de uma professora, quando tinha sete anos de idade. "No dia seguinte já tocava", lembra. Aos 14 anos, já estava regendo. Toca órgão, teclado, piano, contrabaixo, guitarra e acordeão -o instrumento no qual mais se destacou.
Foi diretor por 29 anos de um conservatório que levava seu nome, em São Paulo, e diz que já teve milhares de alunos. Timidamente, enquanto conversa com a repórter, vai desfilando o nome das pessoas para quem já deu aula: grandes talentos da música clássica, artistas populares, professores de conservatórios, médicos renomados e até o cantor Roberto Carlos, na época em que formava o grupo musical RC Trio.
A filha de André, Mariana, 26, também canta e toca vários instrumentos. Quando seu pai descobriu o câncer, ela tinha apenas quatro anos. Um médico chegou a dizer ao maestro que ele teria apenas mais um mês de vida. "Ele chorava porque achava que não veria a filha crescer", lembra Marília.
"A Mariana quer ir para São Paulo estudar cinema. Você precisa ver como ela canta: não dá uma nota para frente nem para trás", conta o pai, orgulhoso. "Vê-la crescer era meu maior sonho. E sei que ainda vou vê-la se casar e ter meus netos", garante."
FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd2401201001.htm
Momentos
video
Regência: André Infanti
Apresentação na Igreja do Embaré(Santos/SP) em meados dos anos 90. Exibido em emissoras locais. [Ripado de uma VHS]
Revista do Brasil
revista do brasilFoto da edição de Setembro, da "Revista do Brasil". Minha esposa e eu!